O problema com ‘Black Panther’
- Ana Paula Barretto
No primer aniversario do estreno do filme 'Black Panther,' re-publicamos o ensaio de Russell Rickford traducido em Português.
Pantera Negra se tornou um fenômeno cultural sem precedentes na história recente. Audiências arrebatadoras têm idolatrado este blockbuster, remake da história em quadrinho sobre o super-herói da mítica nação africana de Wakanda.
Assistir o filme tem se sido especialmente catártico para aqueles sufocados pela política racial americana, com nacionalistas brancos marchando abertamente nas ruas e um governo que parece conspirar para aumentar o sofrimento das pessoas não-brancas, o espetáculo de elegância negra no filme oferece mais do que entretenimento, é uma fonte de águas doces em meio ao deserto.
Dada a escassez de imagens relativas à afirmação negra na mídia popular, o impulso de canonizar o filme é compreensível. Mas Pantera Negra é mais do que a celebração da dignidade negra e sua sofisticação, é também um discurso de libertação, uma paisagem onírica baseada nas tradições negras de pensar e buscar construir sociedades ideais além do alcance da supremacia branca.
Pantera Negra exige uma leitura crítica porque visões utópicas são inevitavelmente políticas. São elas algumas das principais ferramentas usadas por pessoas oprimidas para pensar um futuro mais justo. Infelizmente, qualquer pessoa comprometida com um conceito amplo de libertação Pan-Africana – desenhada para libertar africanos e descendentes de africanos no mundo todo – precisa considerar Pantera Negra como uma imagem não-revolucionária.
Essa afirmação pode parecer injusta, até uma blasfêmia para fãs do filme, porque, apesar de tudo, Pantera Negra apresenta um elenco de personagens negros nobres e complexos (numa sociedade obcecada por pele clara, é importante notar que o filme oferece um suntuoso desfile de personagens de pele negra retinta).
Wakanda, além disso, é um modelo de autodeterminação negra, abençoada com um suprimento inesgotável de um mineral valioso conhecido como vibranium. A nação prosperou por gerações, escapando da colonização e de outras influências perversas, protegida por uma cúpula mágica que oculta o reino do mundo exterior.
Wakanda é tecnologicamente avançada e povoada por cidadãos orgulhosos e leais, incluindo um regimento de formidáveis mulheres guerreiras.
O problema, do ponto de vista progressista, está no nacionalismo conservador de Wakanda. Governantes da nação rejeitam as sugestões de que o uso de sua tecnologia possa empoderar outras pessoas negras no continente Africano e ao redor do mundo. Os líderes de Wakanda mantém um teimoso isolacionismo, enviando agentes secretos em missões benevolentes em terras estrangeiras de forma pontual, mas evitando qualquer programa significativo de solidariedade internacional.
Essa é uma política extremamente limitada. No filme, assim como na vida real, pessoas negras que não tem a sorte de possuir uma fantástica fonte de energia mágica enfrentam séculos de escravidão, colonialismo, imperialismo e subjugação. Elas são sistematicamente exploradas e brutalizadas, mesmo quando seu trabalho é a fonte de riqueza de seus opressores. Ainda assim, as pessoas em Wakanda permanecem isoladas, cercadas por luxo e conforto no que poderia ser considerado um grande condomínio fechado. Em outras palavras, elas se comportam como qualquer elite capitalista moderna.
No filme, o personagem mais ressentido com o isolacionismo de Wakanda é Killmonger, o filho afro-Americano de um expatriado morto. Criado na periferia de Oakland, Califórnia, Killmonger é uma alma perturbada, uma criança problemática da diáspora que promete retornar à terra de seus antepassados para tomar o poder e distribuir as armas incomparáveis de Wakanda para pessoas negras oprimidas em todo o mundo.
Em resumo, Killmonger é um revolucionário. O fato de ele ser apresentado como sociopata é um dos aspectos mais problemáticos do filme.
Superficialmente, Killmonger serve para realçar o protagonista do filme. Como um dispositivo político, no entanto, ele desempenha um papel muito maior, pois seu personagem existe para desacreditar um movimento radical internacional. Na verdade, Killmonger é um mecanismo através do qual Pantera Negra reproduz uma série de idéias perturbadoras.